Pesquisar este blog

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Escala do Samba

Marquês de Sapucaí, carnaval 2012, verão no Rio de Janeiro. De papel e caneta na mão, você é jurado do quesito bateria. A tradicional verde e rosa entra em cena e você percebe um deslize mínimo na harmonia dos instrumentos. Mas segundo as regras de votação, cada jurado só pode atribuir uma nota inteira, de 0 a 10, não sendo permitido utilizar algarismos decimais. O que você faz? Ignora esse deslize e dá uma nota 10 para a escola ou tira um ponto da agremiação, atribuindo uma nota 9?

Esta situação parece fictícia e a imposição de apenas dar notas inteiras, descabida. Porém, observe o processo de avaliação que a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) pensa em implantar para o carnaval 2012, como noticiou o jornal O Globo, na última sexta-feira. De acordo com o jornal, a Liga quer que a nota mínima passe a ser 9,0 porque “a qualidade do desfile do Grupo Especial não comporta notas abaixo de 9”. No último carnaval, a nota mínima imposta foi 8,0 e esta mudança teria sido motivada pela insatisfação de duas escolas que tiraram notas 8,7 e 8,9 em determinado quesito.

Como a nota de um jurado pode ter até uma casa decimal, essa possível nova escala de votação da Liesa é análoga, do ponto de vista matemático, à escala fictícia mencionada no primeiro parágrafo. Isto pode ser entendido na correspondência entre as duas escalas mostrada na tabela abaixo, onde a nota da escala fictícia nada mais é do que o algarismo decimal utilizado pelo jurado na nota. Percebe-se que a nota 9,9, que em princípio deveria ser quase um 10, acaba se tornando um abismo em relação à nota máxima.

Escala fictícia
Nova escala em estudo pela Liesa
Escala fictícia
Nova escala em estudo pela Liesa
0
9,0
6
9,6
1
9,1
7
9,7
2
9,2
8
9,8
3
9,3
9
9,9
4
9,4
10
10,0
5
9,5




No sistema de votação atual, a grande maioria dos jurados atribui nota 10 ou 9,9 para as escolas que disputam o título, sendo raras notas abaixo deste valor. Considero inadequada esta prática porque não permite diferenciar de forma minuciosa o desempenho das escolas. Um determinado jurado pode achar a escola “A” um pouco melhor do que a escola “B”, mas acaba dando nota 10 para as duas porque sabe o prejuízo que uma nota 9,9 pode causar à escola “B”. Com a nova escala de votação proposta, ficará mais difícil ainda, neste caso, dar uma nota 9,9 à escola “B”, principalmente quando ela tiver se apresentado muito bem, só que não de forma tão espetacular como a escola “A”.

Outro aspecto prejudicial da prática de só dar notas muito altas é que uma escola que tenha sofrido alguma penalidade - como por exemplo o Salgueiro, que perdeu um ponto no último carnaval - praticamente se despede da luta pelo título, já que fica difícil recuperar essa diferença. Torna-se também difícil comparar o desempenho das escolas do ponto de vista estatístico, utilizando as métricas de Estatística Descritiva. Por exemplo, as notas médias das  duas primeiras colocadas no último carnaval – Beija Flor e Unidos da Tijuca – foram de 9,993 e 9,947, respectivamente, e o valor mediano1 da Mangueira,  terceira colocada, foi igual à da Beija Flor (10,0).

Por que não refinar mais a escala? Se fosse permitido utilizar duas casas decimais na avaliação, dois problemas seriam resolvidos: o ego dos carnavalescos não seria atingido (afinal de contas, todos tirariam sempre notas maiores do que 9) e cada jurado poderia distinguir melhor, na nota, diferenças muito pequenas de performance das escolas. No exemplo hipotético deste texto, o jurado poderia dar nota 10,00 para a escola “A” e 9,97 para a escola “B”, que neste caso não sairia tão prejudicada na disputa pelo título. Fazendo uma analogia semelhante à da tabela anterior, essa nova escala é equivalente à escala tradicional de 0 a 10 com intervalo de 0,1, porém sem exigência de uma nota mínima (por exemplo, 9,52 corresponderia a 5,2, e 9,97 corresponderia a 9,7). É apenas um artifício para burlar o aspecto psicológico de não poder dar uma nota abaixo de 9,0.

Pode-se argumentar que esta medida não resolve o problema da escola que perde 1 ponto por atraso no tempo de desfile. Entretanto, como a nota 10 passaria a ser dada com menos frequência, uma série de notas 9,96; 9,92; 9,91, etc, por exemplo, poderia resultar, no conjunto das 30 notas finais (após os descartes), em uma perda maior de pontos se comparada ao ínfimo 0,2 ponto perdido pela Beija Flor, atual campeã.
Há também uma outra mudança proposta pela Liesa, esta, de fato, eficaz: criar uma nota “bônus”. Cada jurado teria a opção de dar 0,1 ponto adicional a uma (e somente uma) escola que tivesse se destacado em relação às outras. Com isso, ao invés de dar 10 para várias escolas, pode-se premiar com “10,1” aquela que efetivamente foi melhor do que as outras.


1 A mediana é o ponto “central” de um conjunto de valores, ou seja, o valor para o qual 50% dos outros valores são maiores e 50% são menores do que ele. Neste estudo, estes valores correspondem ao conjunto de notas recebidas por uma Escola.

Um comentário:

  1. Excelente post! Infelizmente, o numérico fica sempre preso a questões de ego, do tipo ninguém pode receber menos que 9...

    Irei olhar os outros!

    Abs

    ResponderExcluir