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segunda-feira, 18 de abril de 2011

A frieza e o estilo dos europeus

O estudo do gol qualificado cruzou o Atlântico. No post anterior, vimos que, aqui no Brasil e na América do Sul, é indiferente jogar a segunda partida em casa ou fora quando existe essa regra. Agora, por sugestão de um leitor, verifico se isso também ocorre na Europa, onde o estilo de jogo é bastante diferente do sulamericano. Considerei o principal campeonato europeu, a chamada “Liga dos Campeões”, que atualmente está na fase semifinal, onde um dos confrontos será o sensacional duelo entre Real Madrid e Barcelona.

Ao contrário da Copa Libertadores, onde o gol qualificado só foi adotado em 2006, na Europa essa regra sempre existiu, sendo chamada de away goals rule. Apesar de contar com um conjunto bastante extenso de dados, considerei inadequado coletar dados muito antigos, onde o futebol era bem diferente do praticado hoje em dia. Com o objetivo de equilibrar o volume de dados e a atualidade dos mesmos, escolhi como amostra os resultados de 1980 até hoje.

Coletei os dados do site http://www.the-sports.org/.  Não incluí o jogo final de cada ano, que sempre é disputado como partida única em campo neutro. A fórmula de disputa variou ao longo dos anos, não tendo havido confrontos do tipo “mata-mata” nas quartas de final de 1991 a 1993 e nas oitavas de final de 1994 até 2002, quando estes confrontos foram substituídos pela fórmula de grupos de quatro equipes cada, com todos jogando entre si. Ao final, restaram 341 confrontos do tipo mata-mata a serem analisados, cujo resumo dos resultados é mostrado abaixo:

Total de confrontos: 340
Classificações do mandante do segundo jogo: 186 (54,71%)
Classificações do visitante do segundo jogo: 154 (45,29%)

Neste caso, observa-se que houve uma diferença razoável entre o número de classificações do mandante e do visitante do segundo jogo. Mas será que essa diferença é significativa, do ponto de vista estatístico, para afirmarmos que na Europa, ao contrário da América do Sul, o gol qualificado não elimina a vantagem de jogar a segunda partida em casa? *

Para responder a pergunta acima, vamos recorrer a um teste estatístico unilateral, utilizando a distribuição binomial, com n = 340 e p = 0,50. Sob a hipótese nula de que não há vantagem para um ou outro time, a probabilidade de ter acontecido a diferença acima (ou alguma mais extrema a favor do mandante) é de aproximadamente 4%. Portanto, adotando-se o nível de significância clássico de 95% em estatística, rejeita-se a hipótese de igualdade de chances entre o mandante e o visitante.

Como conclusão do estudo, pode-se dizer, com 95% de certeza, que o mandante do segundo jogo tem realmente vantagem sobre o visitante na liga dos campeões da Europa, mesmo valendo a regra do gol qualificado. Lembro novamente que, no estudo realizado anteriormente para a Copa Libertadores e a Copa do Brasil, ambos na América do Sul, isto não se verificou, havendo uma igualdade quase absoluta entre os percentuais de classificação para o mandante e o visitante do segundo jogo.

Mas qual seria a explicação para que, na Europa, o gol qualificado não tenha o mesmo efeito sobre as chances de classificação dos dois times em relação à sua aplicação na América do Sul? Será a frieza dos europeus? Será o estilo de jogo menos catimbado, que faz com que o mandante do segundo jogo seja mais objetivo no primeiro jogo do confronto, evitando um resultado adverso nessa partida e fazendo com que ele de fato aproveite a vantagem de decidir o segundo jogo em casa? Será o fato de que essa regra sempre existiu na Europa, tendo os jogadores já se acostumados com ela? Talvez a resposta esteja no campo da Psicologia e não da Estatística.

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* Explicação prévia para quem não é da área de Estatística: imagine uma moeda supostamente não viciada, ou seja, com 50% de chances de dar cara e 50% de chances de dar coroa. Ao lançarmos essa moeda 341 vezes, espera-se que haja um equilíbrio entre a quantidade de caras e de coroas ocorridas. Se houve 189 caras e 152 coroas, quero investigar se esse desequilíbrio é grande o suficiente para que eu possa desconfiar da idoneidade da moeda. Essa avaliação é feita calculando-se a probabilidade de tal desequilíbrio ocorrer em uma moeda de fato não viciada.

3 comentários:

  1. Fiz uma atualização dos dados, pois havia um equívoco nos dados referente ao ano de 1990. Entretanto, as conclusões do estudo continuam as mesmas.

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  2. E os confrontos decididos nos penâltis, foram computados?

    Na Europa, diferentemente da Libertadores e da Copa do Brasil, há prorrogação no segundo jogo, o que favoreceria em parte o visitante, que teria mais 30 minutos para fazer o gol fora, ou seja, em caso de dois 0 x 0, o gol do visitante na prorrogação obriga o mandante a fazer dois gols para se classificar. Por outro lado, dá ao mandante a chance de jogar mais 30 minutos diante de sua torcida e em seu estádio.

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  3. Obrigado pelo comentário.

    Os confrontos por pênaltis foram computados sim.

    Muito boa a observação sobre a prorrogação.
    Não sabia que o regulamento previa isso, mas veja só: nos dados que utilizei desde 1980, houve 10 casos de igualdade absoluta nos resultados dos dois jogos. E nestes 10 jogos o histórico registra disputa por penaltis, portanto nenhum jogo teria sido decidido na prorrogação.

    Mas concordo com você: o time que joga em casa a segunda partida tem a vantagem da torcida na prorrogação, mas a desvantagem de jogar mais tempo com a regra do gol fora de casa atuando contra.

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